Em conversas sobre motocicletas, eu notei que há interesse, curiosidade e também bastante desconhecimento em relação à motorização das mesmas. Assim tive a ideia de elaborar este pequeno artigo, somente com algumas noções básicas sobre o assunto, para compartilhar com os amigos.
É certo que ele esta muito longe de ser perfeito, mas espero que gostem, que contribua de alguma forma para um melhor entendimento e, quem sabe, possa até estimular alguém a aprofundar-se mais no mundo da mecânica.

ABRAÇOS E BOAS CURVAS.
Schio.

CARACTERIZAÇÃO DOS MOTORES DE MOTOCICLETAS EM FUNÇÃO DO NÚMERO E DISPOSIÇÃO DOS CILINDROS
* Sergio Luiz Schio
Motocicletas utilizam motores dos mais diversos tipos, tamanhos e configurações. Vamos nos limitar agora aos propulsores de combustão interna a ciclo de Otto (quatro tempos), até hoje os mais utilizados. Juntamente com o deslocamento volumétrico, ou "cilindrada", que tem relação direta com torque, o número de cilindros e sua disposição é a especificação que mais afeta a estrutura e o comportamento de um motor, também determinando sua melhor aplicação. O objetivo deste texto, ao rever algumas noções básicas acerca desta importante especificação, é esclarecer o motivo de existirem tantas variações de motorização nas motocicletas e também promover um maior entendimento sobre delas.
-Monocilíndricos: Motores com somente um cilindro fornecem bastante torque em rotações baixas, pois um único pistão produz mais força do que dois menores que, somados, possuam o mesmo deslocamento volumétrico. Por isso são muito usados em motos "off road", onde um bom torque é fundamental e alta rotação dificulta o controle preciso da tração, e nas versáteis motocicletas de uso misto, "trail e big trail". Estes motores também consomem pouco combustível, possuem engenharia simples e, consequentemente, produção e manutenção mais econômicas. Por isso todas as motocicletas pequenas e de baixo custo também usam este tipo de motor. As desvantagens são: potência limitada, vibração e ruído.
-Bicilíndricos: Funcionam como se fossem dois motores monocilíndricos trabalhando juntos para girar um mesmo eixo. Com menor vibração, em relação aos anteriores, apresentam melhor desempenho em rotações mais altas, mantendo ainda um bom torque em rotações baixas. O seu melhor desempenho é nos regimes médios (entre quatro e nove mil rpm), no qual apresenta excelente torque e bastante potência, proporcionando assim ótima dirigibilidade e bom rendimento (relação desempenho/consumo). Porém ele não pode atingir rotações muito elevadas e também a sua potência não cresce muito com o aumento da rotação. Devido a grande "elasticidade", são muito usados em motos custom, estradeiras em geral (dual purpose, cruiser), nakeds urbanas e até em algumas esportivas (o vigor nas retomadas por vezes acaba até compensando sua limitação em potência final).
-Tricilíndricos: Motores com três cilindros conseguem combinar algumas das boas características dos bicilíndricos, como o ótimo torque em giro médio e economia de combustível, com algumas dos tetracilíndricos, como suavidade no funcionamento e potência com alta rotação. Podemos até dizer que temos aqui "o melhor de dois mundos". Suas vantagens, em relação aos tetracilíndricos, é serem mais leves e compactos, possuírem menos peças móveis, manutenção mais simples e menor consumo de combustível. Com todas estas qualidades, eles são tão versáteis que podem ser utilizados com sucesso em vários estilos de motocicletas, de uso misto a esportivas (vide a linha Triumph).
-Tetracilíndricos: O fracionamento da capacidade volumétrica (“cilindrada”) em pequenas partes, cilindros menores, reduzindo a massa individual e o esforço dos pistões, permite obter um nível de rotação máximo mais elevado, com reduzida vibração, a ponto de um motor deste tipo poder atingir até 17.000 rpm. Potência crescente com altos regimes de rotação resulta em grande potência final, sendo por isso os preferidos para usar em motos esportivas. Porém seu torque em rotações baixas é relativamente fraco e também não primam pela economia de combustível. O motor de quatro cilindros, além do ótimo desempenho esportivo, possui também como característica positiva um funcionamento suave, com baixo nível de vibração e ruído.
-Hexacilíndricos: Estes motores tem funcionamento extremamente suave, privilegiando principalmente o conforto e a dirigibilidade. Normalmente são motores de grande cilindrada e por isso têm torque de sobra em qualquer regime de rotação. Por serem motores volumosos e pesados são mais indicados para motos touring, onde peso, desempenho e aerodinâmica não são as maiores prioridades do projetista.
Quanto à disposição dos cilindros, a arquitetura mais utilizada é a de cilindros em linha, depois em “V” (ou “L”, se o ângulo for de 90°) e, por último, contrapostos ou boxer (formando ângulo de 180°).
A configuração em linha é a que tem a construção mais simples, com a vantagem de poder ter uma única árvore de comando no cabeçote, acionada também por uma única corrente de comando. Uma das desvantagens é sua largura. Com dois cilindros, esta é a configuração mais utilizada em motos de média cilindrada, dos mais variados estilos; com três, como já foi dito, também é um motor muito versátil e de larga aplicação, porém de custo maior; mas se o objetivo é potência máxima, esta é a arquitetura ideal para um tetracilindrico. Não é por acaso que a maioria das motos esportivas e super esportivas utilizam um quatro em linha.
Motores com disposição dos cilindros em “V” são tão antigos quanto à própria história da motocicleta. Com dois cilindros, esta configuração é comumente aplicada em motos custom, de uso misto a até em algumas esportivas. O motor em “V” favorece o torque em rotação baixa e proporciona retomadas impressionantes. Este tipo de engenharia também oferece outras vantagens em relação aos motores em linha: Permite diminuir a largura do motor e favorece o resfriamento dos cilindros internos. As desvantagens, em relação ao anterior, são: maior comprimento, engenharia mais complexa e maior vibração. Para reduzir a vibração pode-se aumentar o ângulo entre os cilindros, o que alonga ainda mais o motor, ou usar eixos contra rotantes (ou balanceiros) paralelos ao virabrequim, o que limita a sua rotação. Um motor de quatro cilindros em "V" reúne algumas boas características do motor quatro em linha com a vantagem volumétrica e dinâmica da configuração em V, ou seja, é um motor relativamente compacto, que apresenta ótimo desempenho em rotações altas e ainda bom torque em rotações médias e baixas, proporcionando melhores retomadas que um "L4", porém com vibração um pouco maior. Resumindo, ele consegue ter, ao mesmo tempo, comportamento esportivo e boa elasticidade. Inclusive este tipo de motor está sendo utilizado, de forma pioneira pela Honda, em uma moto de uso misto ou dual-purpose: a VFR 1200X.
Motores do tipo boxer (cilindros contrapostos, formando ângulo de 180º) tem a desvantagem de ter dimensões bem maiores, principalmente na largura, exigindo motos de maiores dimensões para acomoda-los. Suas vantagens são a quase completa ausência de vibração, uma vez que a vibração causada pelo deslocamento do pistão de um cilindro é praticamente anulada pelo deslocamento do pistão do cilindro oposto e, pelo fato de ser “plano”, sua massa fica mais próxima do solo, baixando bastante o centro de gravidade, o que contribui para melhorar a estabilidade. A lubrificação dos cabeçotes também é favorecida pela posição horizontal dos cilindros. A longevidade do motor boxer de dois cilindros da BMW, com mais de 100 anos de história, já sinaliza que este é realmente um bom motor. Um dos motores boxer mais desenvolvidos atualmente é o usado na Honda GL 1800 Gold Wing, com seis cilindros e refrigeração líquida, um bom exemplo de máximo conforto sobre duas rodas.
Existem outras importantes especificações técnicas, como número de válvulas por cilindro, diferentes sistemas de comando, alimentação, refrigeração, escapamento, etc., que também influem bastante no comportamento dos motores, porém, para o objetivo deste texto, não precisamos entrar nestes pormenores.
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* Um apaixonado carros e motos.